terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Exclusivo: Santo Antônio de Categeró

Missas festivas com toques de Candomblé, samba-de-roda e feijoada homenageiam na Bahia o primeiro negro a ser santificado pela Igreja Católica

O ciclo de festas populares e religiosas que se inicia todo mês de dezembro em Salvador, guarda uma particularidade nos meados de janeiro. Desde a última quinta-feira (10), na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, estão sendo realizadas missas festivas em homenagem a Santo Antônio de Categeró, primeiro negro santificado pela religião católica. Até domingo passado (13), uma série de solenidades marcada pelo sincretismo, começou com um tríduo rezado pelos padres Gabriel e Aderbal.

No último dia dedicado à parte religiosa, cânticos negros entoados ao som de atabaques emocionaram os fiéis e adeptos que lotaram a igreja. Ordenado em 1995 e pároco da Rosário dos Pretos desde setembro do ano passado, padre Gabriel destaca a identificação da comunidade com o santo. "Pela raridade do Vaticano reconhecer a santidade dos afrodescendentes, ter um santo negro numa cidade como a nossa, é importantíssimo", declara. Para Vilma Sacramento, sua devoção a Categeró começou há 16 anos. Quando passava por um momento de dificuldade, ela entrou na igreja por acaso, quando uma missa em louvor a “Antônio Negro” estava sendo realizada. “Nunca vou esquecer aquele dia em que entrei aqui e ele atendeu aos meus pedidos”, relata.

Nesta terça-feira (15) a partir do meio-dia, uma feijoada foi oferecida gratuitamente à comunidade, fechando o ciclo de homenagens ao santo. Houve ainda a apresentação de grupos de samba-de-roda e de sambadeiras do grupo Os Vendavais. A expectativa da Irmandande, antes da festa, era de que cerca de mil pessoas aparecessem para comer o feijão servido em porcelana nagô. O detalhe é que a iguaria deve ser comida de mão, da mesma maneira feita pelos antigos escravos e os pratos de barro deverão ser lavados para que a próxima pessoa possa usá-lo. Há nove anos pertencente à Irmandade dos Homens Pretos, Francisco Albuquerque, mais conhecido como “Bubu”, revela uma crença difundida pelos devotos de Categeró. “Quem comer a feijoada, vive mais setenta anos”, garante.

Biografia
Ex-escravo e ex-muçulmano nascido por volta de 1490 na atual Líbia, norte da África, Antônio foi vendido para um camponês siciliano, que lhe transmitiu novos valores religiosos. Na Itália, converteu-se ao catolicismo tornando-se membro da ordem franciscana, sendo muito procurado pelas pessoas que o consideravam um homem de retidão e serenidade. Falecido na cidade italiana de Pádua em 1549, seus primeiros devotos no Brasil começaram a surgir por volta do séc. XVII. Além de ser venerado na Bahia, o santo também recebe homenagens em São Paulo e no Rio Grande do Sul.

Para saber mais sobre a vida de Santo Antônio de Categeró, clique aqui

Fotos: Tom Correia
Colaboração: George Sami

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Escolha da Deusa do Ébano reafirma valores da mulher afrodescendente

Pela primeira vez na sua história, a eleição da mulher-símbolo do Ilê Aiyê acontece na sede do bloco afro mais importante da Bahia

A Ladeira do Curuzu estará agitada a partir das 21 horas deste sábado (12), com a edição da 29ª Noite da Beleza Negra, promovida pelo Ilê Aiyê, primeiro bloco afro a ser fundado em Salvador. Será a primeira vez que a Senzala do Barro Preto, sede da entidade, abrigará o evento. O concurso, criado em 1979, visava valorizar a mulher negra e ir de encontro aos estereótipos que depreciavam as afrodescendentes devido aos seus padrões estéticos. As 15 concorrentes que participam da grande final de amanhã, têm idades de 15 a 26 anos e foram pré-selecionadas entre 70 inscritas. “Além dos atributos físicos, a nova rainha precisa ser inteligente e estar antenada com a questão racial”, explica Jaci Trindade, coordenadora das candidatas.

Moradora da Fazenda Coutos, Quênia Borges, 25, é graduada em Educação Física pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB). Bem informada sobre a atual crise no país que deu origem ao seu nome, ela afirma que sua família é o seu grande incentivo. “Minha mãe sempre me apoiou, principalmente porque ela queria ter participado do concurso quando era mais jovem”, declara. Ela diz ainda que a atividade política e movimentos organizados pelo Ilê também a estimularam a disputar o título. Para a estudante secundária Luanda Matos, 18, ser uma das finalistas tem sido importante para sua formação. “É um privilégio participar de um concurso que nos desperta a consciência em relação às nossas origens”, declara.

Formada em dança pela Fundação Cultural, Fernanda Ramos, 20, ainda detém o título de Deusa do Ébano. Eleita em 2007, ela diz que apenas a beleza não é o suficiente para se tornar rainha. “Uma mulher negra, além de bonita, tem que ser consciente do seu papel. Ela tem que contribuir para que mudanças sejam feitas”, expõe. O título proporcionou à Fernanda viagens de trabalho pelo Brasil e pelo exterior, onde manteve contato com outras culturas. No ano passado, esteve na Itália e, no Carnaval de 2008, ela vai viajar para o Equador junto com um grupo dançarinos do Ilê.

Educação é fundamental
Para Arany Santana, diretora da Comissão Organizadora do evento desde 1986, as candidatas foram assumindo uma postura mais engajada de modo gradativo. Aos poucos as meninas perceberam que para chegar à condição de “deusas”, a educação era um passaporte essencial, o que elevou o nível da disputa “Muitas das antigas candidatas se tornaram universitárias ou pequenas empresárias, além de se tornarem muito mais esclarecidas”, revela. Ainda segundo a diretora, a trajetória do bloco no amplo combate à discriminação está totalmente inserida na Noite da Beleza Negra. “Esse concurso transcende a questão da beleza física. Além de ser uma ação totalmente política, ele premia a beleza de toda uma cultura”, concluiu.

Foto: Site do Ilê Aiyê

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Projeto fotográfico se transforma em ONG com ênfase na inclusão social

Há um ano, exposição de Sérgio Guerra nas ruas de Salvador provocava reações em todos os segmentos da sociedade

Em janeiro de 2007 as ruas e avenidas de Salvador foram tomadas por uma exposição fotográfica até então inédita: 1500 imagens mostravam o povo baiano ressaltando suas origens africanas e levantando discussões em torno da questão social. O projeto Salvador Negroamor (SNA), de autoria do fotógrafo e publicitário Sérgio Guerra, além da proposta de intervir no cenário da cidade através de painéis e molduras com fotos de negros e negras, tinha também o objetivo de promover a auto-estima na população afrodescendente.

O roteiro da exposição abrangia seis grandes eixos compostos por avenidas e bairros estratégicos de Salvador, tornando visíveis uma realidade relegada a segundo plano pela mídia tradicional. Restritas aos ciclos de festas populares e ao Carnaval, uma das grandes provocações do projeto era fazer com que o baiano comum do dia-a-dia se reconhecesse nas fotografias. A repercussão da SNA atingiu o nível da polêmica, já que as fotografias expostas abordavam, além dos aspectos estéticos, a histórica desigualdade social, a reparação e a exclusão educacional. Segundo Guerra, “a exposição foi só um começo das ações que estão sendo realizadas, sempre com esse mesmo propósito”, afirma.

Entretanto, acima das críticas ou dos elogios, o mais relevante foram os desdobramentos que aconteceram após o encerramento da exposição, que durou cerca de 40 dias. Em abril do ano passado, por exemplo, uma campanha promovida pelo Portal Salvador Negroamor buscou intermediar a relação entre mão-de-obra e empresas, criando um banco de currículos voltados para os afrodescendentes. Na página virtual são veiculadas notícias de Salvador e da África, além de ser disponibilizado um conteúdo exclusivo destinado à cultura negra.

Projetos Educacionais
Além do Portal SNA, a exposição gerou também uma intervenção na Feira de São Joaquim, com a criação em 2007 de uma escola voltada para o reforço escolar para crianças e adolescentes, filhos dos feirantes e para alfabetização de adultos. Acompanhados por uma pedagoga, e em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, os alunos recebem orientações sobre cidadania, valores étnicos e aspectos da história e cultura africanas. Além disso, a associação está implementando o projeto “Capoeira nos Terreiros”, que , como diz o nome, pretende ministrar aulas de capoeira em terreiros de Salvador, em parceria com o núcleo CTE Capoeiragem, do contra-mestre Balão.

Para assistir ao documentário comemorativo da exposição SNA, clique aqui

Foto: Sérgio Guerra
Matéria editada por Thaiane Machado